quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O “putch da cervejaria” de Trump


O “putch da cervejaria” de Trump

Socialist Workers League - EUA
Frente Comunista dos Trabalhadores - Brasil
Tendência Militante Bolchevique - Argentina

1. Para quem ainda não se recuperou do ano de 2020, 2021 começou no dia 6 de janeiro com um acontecimento sem precedentes, indicando o quanto pode ser um ano convulsivo. Lembramos que, do ponto de vista geopolítico, 2020 começou com um ataque de drone dos EUA que assassinou o principal chefe militar do Irã no Iraque, Qasem Soleimani, acontecimento de grande repercussão regional que foi seguido da crise econômica mundial e da pandemia.

2. Na eleição presidencial de novembro de 2020, Donald Trump obteve 74 milhões de votos. Isso superou os votos de candidatos presidenciais vencedores em todas as eleições anteriores nos Estados Unidos. Mas o candidato republicano foi superado pelo 
democrata vitorioso, Joe Biden, que obteve 81 milhões de votos. Em ambos os lados, os números absolutos envolvidos são muito grandes, um reflexo da profunda polarização política alimentada pelo nacionalismo branco de Trump e uma maior resistência popular a ele após a imensa jornada de marchas contra o assassinato de George Floyd, que foi canalizada para o Partido Democrata, na ausência de um polo político da classe trabalhadora.

3. A tentativa de golpe de Trump foi motivada e agitada com base na alegações de fraude eleitoral, juntamente com megalomania e política de supremacia branca. Ele estimulou a invasão do Congresso, o centro parlamentar da democracia imperialista, para responder às pressões de sua base radicalizada e não parecer fraco entregando pacificamente a presidência após negar-se a aceitar o resultado eleitoral.

4. O voto proletário do chamado "Cinturão da Ferrugem" foi essencial para a vitória de Trump em 2016. A frustração de parte desse eleitorado promoveu a vitória de Biden nesses estados em 2020. Também a questão racial é chave para explicar por que Trump perdeu a eleição de 2020, após as maiores manifestações de massas do país em protesto contra a violência policial racista. Em 2016, a vitória republicana foi obtida com a mobilização de uma fração de trabalhadores pauperizados e desmoralizados pela desindustrialização dos EUA, como parte da financeirização do ocidente e industrialização do oriente das últimas décadas. A transferência de parques industriais inteiros para a China pelos governos republicanos e democratas alimentou o recentimento dos trabalhadores, principalmente brancos, contra o 'globalismo', a xenofobia frente aos imigrantes e a fuga de empregos para o exterior. 

5. Parte da plataforma de Trump em 2016 se apoiou no isolacionismo nacional e no protecionismo econômico, no cansaço das guerras desencadeadas pelos neocons que foram realizadas pelos governos democratas e republicanos por décadas. Dentro dessa plataforma programática estava a substituição das guerras militares por guerras comerciais, com a China ou com a União Europeia, elementos que por si só trazem a ameaça de futuras guerras imperialistas. Mas, a política imperialista de Estado dos EUA, muitas vezes passou por cima do discurso de antipatia pelo intervencionismo armado de Trump. Apesar do discurso, a Casa Branca promoveu tentativas de golpes na Venezuela, o assassinato de Suleimani em 2020 e estimulou a massiva onda de ataques aéreos de Israel contra a Síria e os militares iranianos em janeiro de 2021. Isso foi ordenado pessoalmente por Trump e foi ainda mais descarado do que os ataques de drones de Obama contra militantes da Al Qaeda e do ISIS. Foi impulsionado pelo ódio de Trump pelas derrotas que o Irã infligiu aos EUA e seus aliados na Síria e no Iraque. Enquanto ainda tinha sua conta de twitter ele ameaçou a exaustão o Irã e a Coréia do Norte com um ataque nuclear. Sua política em relação a Israel é um endosso aberto ao genocídio sionista, sem qualquer tentativa de suavizar as coisas com 'processos de paz'.

6. O movimento de extrema direita trumpista é uma resposta reacionária ao neoliberalismo oposto a evolução da consciência da classe trabalhadora. O movimento do MAGA ('Make America Great Again'), mesmo quando defendido por proletários, não é um movimento de trabalhadores com consciência de classe. Eles ainda precisam aprender algumas lições políticas básicas e perder sua arrogância imperial e racial. Eles são a mesma camada da classe que votou no Brexit na Grã-Bretanha. Eles são uma camada lumpen invejosa lamentando que o declínio do imperialismo EUA / Reino Unido os roubou de um status aristocrático de trabalho privilegiado. Daí o apelo de 'Make America Great Again' e do Brexit.

7. Este movimento tem semelhanças consideráveis ​​em muitos aspectos com o fascismo europeu e o nazismo em seus objetivos, embora felizmente até agora não tenha a coesão e quadros decididos que esses movimentos possuíam. Isso ocorre porque não foi adestrado na batalha contra um poderoso movimento operário. Pelo contrário, nos Estados Unidos, como na Europa, nos últimos 40 anos, os sindicatos poderosos foram destruídos pela colaboração interna de burocracias trabalhistas pró-capitalistas que capitularam aos ataques do neoliberalismo.

8. Isso levou ao descontentamento social, em vez de ser direcionado contra o sistema capitalista, vem sendo canalizado para o nacionalismo e para a política de identidade com os opressores, como os norte-americanos brancos, é um descontentamento que imita a luta dos oprimidos e que se generalizou como uma resposta desesperada aos ataques neoliberais pelo fracasso do movimento operário em combatê-los.

9. Mas a política identitária do opressor é qualitativamente pior e mais perigosa do que a política identitária dos grupos oprimidos, assim como em geral o nacionalismo do opressor é qualitativamente diferente e mais perigoso do que o nacionalismo dos oprimidos e, nas condições atuais, movimentos como o de Trump se assemelha ao fascismo e contém muitos fascistas e nazistas auto-proclamados em seu interior. É por isso que o sionismo é tão perigoso e desempenhou um papel tão importante no movimento de Trump e em sua administração, que rompeu com a atitude servil mas tímida das administrações anteriores dos EUA em relação ao sionismo e apoiou abertamente as aspirações sionistas de simplesmente destruir o povo palestino.

Trumpistas: Proud Boy com camiseta 6MWE (A morte de 6 milhões de judeus não foi o suficiente); neonazi com camiseta em homenagem ao Campo de Concentração de Auschwitz e invasores apresentam como troféu pedaço de madeira do birô de Nancy Pelosi.

10. O sionismo é um excelente exemplo da política identitária dos opressores, explorando a história da opressão dos judeus para justificar crimes racistas de hoje. Atua como uma espécie de caixa conectora para a junção de um antigo nacionalismo de tipo fascista com tipos mais modernos de políticas de identidade. O fato de alguns dos proeminentes apoiadores da supremacia branca de Trump se declararem 'sionistas brancos' é altamente significativo. Também pode coexistir alegremente com fascistas e neonazistas que ainda defendem o ódio antisemita - o pró-sionista Trump tuitou apoio para o grupo de extrema direita “Proud Boys”, alguns dos quais ostentavam a sigla '6MWE' (“6 milhões [de judeus] não foram o suficiente”) nas manifestações de Trumpist contra a vitória eleitoral de Biden em dezembro.

11. Do ponto de vista dos negros dos EUA, apesar do fato de que o movimento Trump não ter sido formado em conflito com um movimento operário militante forte, a derrubada do governo constitucional nos EUA pelo movimento de Trump é uma ameaça potencialmente mortal, contra o qual todos os militantes de esquerda e com consciência de classe precisam resistir com toda a força militar que puderem reunir. A intenção fascista estava claramente lá, mesmo que a execução fosse fraca, precisamente porque o movimento de Trump não foi enriquecido na luta como o de Hitler.

12. Para todos os efeitos, os eventos de 6 de janeiro devem ser considerados como uma insurreição fracassada por algo que se assemelha a um movimento fascista contido. Não é provável que permaneça contido. O impulso dos democratas do Congresso pelo impeachment de Trump por incitar a insurreição, visa impedir sua candidatura novamente à presidência em 2024, banindo-o permanentemente de concorrer ao cargo. O controle de Trump sobre o próprio Partido Republicano foi comprometido, já que algumas figuras importantes estão apoiando o impeachment e quando a questão é colocada, aqueles que não o fazem podem se encontrar em uma posição insustentável, defendendo um homem que orquestrou um ataque a cúpula do Sistema político dos EUA. As represálias contra Trump podem torna-lo mártir de seu movimento, fortalecê-lo, como fez a prisão de Hitler com a derrota do putsh da cervejaria ou sacrificá-lo política e definitivamente (Trump terá 78 anos em 2024) em favor de um outro líder mais jovem para conduzir o trumpismo sem Trump nos próximos anos.

13. Uma grande ruptura interna nos republicanos agora parece altamente provável, já que os elementos radicalizados e lumpens na base de Trump não irão desaparecer. Sarah Palin está chamando a uma ruptura da direita dos republicanos e isso pode acontecer. Pode concebivelmente quebrar o sistema bipartidário nos Estados Unidos, o que também pode trazer vantagens para a esquerda, embora esta situação também represente o perigo do surgimento de um partido ou movimento fascista de massas. Também poderia levar à fragmentação e dispersão do movimento de Trump sob pressão. As consequências ainda não são claras.

14. A bíblia do fascismo da supremacia branca nos EUA é o romance dos anos 1970 The Turner Diaries, que prevê um ataque armado ao Capitólio, o bombardeio terrorista de prédios do governo, o enforcamento de políticos que resistem e a construção de uma ditadura branca nos EUA e um genocídio mundial contra os negros. Muitos dos temas e atividades dos supremacistas que atacaram o Capitólio conscientemente evocaram e imitaram isso. Atos anteriores de terrorismo de supremacia branca, como o atentado a bomba de 1995 ao Edifício Municipal em Oklahoma City, que matou 168 pessoas, por Timothy McVeigh, foram inspirados nos The Turner Diaries.

15. A esquerda na América precisa ser rearmada política e fisicamente. Politicamente, ele precisa romper com o Partido Democrata. Dar apoio político aos democratas completamente burgueses, quando eles foram responsáveis ​​por muitos dos ataques neoliberais mais flagrantes nos últimos 30 anos e estiveram no poder por mais da metade desses anos. Há décadas, a esquerda comunista também renunciou ao todo trabalho no interior do movimento proletariado estadunidense, para privilegiar ações políticas meramente identitárias, de lutas contra as opressões especiais/secundárias, abandonando toda luta de classes contra a exploração do trabalho, o que é muito bom para o capital. Essa renúncia da esquerda comunista a militância proletária nos EUA, vigente desde os tempos de Stalin e Earl Browder, entrega gratuitamente ao núcleo duro do proletariado dos EUA para a direita democrata e republicana. Essa política é um convite para que a política se radicalize para a direita, não a esquerda, como mostra o trumpismo.

16. Os EUA afirmam ser os guardiões da democracia burguesa no planeta e isso justificaria politicamente o expansionismo ianque. Porém, a atual “democracia” imperial, a eleição indireta, através do colégio eleitoral como ocorre em várias ditaduras (inclusive a brasileira de 1964-1985), confusa e invariavelmente defraudada (como vimos várias vezes, como na eleição e reeleição de Bush) pelo poder econômico do grande capital, nada tem a ver com a conquista de um voto para cada homem, obtido pela revolução burguesa francesa. Os revolucionários não devem ser capazes de desmascarar a democracia imperial e o partido democrático imperialista. Nenhum apoio político para os democratas, o que não significa, contudo, neutralidade em relação ao putsch de seis de janeiro. As forças da classe trabalhadora deveriam ter lutado contra os próprios trumpistas: as campanhas iniciadas por vários pequenos grupos de esquerda nos Estados Unidos por uma frente única antifascista estavam corretas.

17. A burguesia é geralmente bastante condescendente com a reação da direita e intransigente aos oprimidos e seus lutadores de esquerda. Foi o que Marx percebeu quando registrou em sua obra “A Guerra Civil na França” (1871), sobre a perseguição sanguinária contra os combatentes da Comuna de Paris acusados ​​de incendiários. Mas, como Marx aponta, a mesma burguesia e sua opinião pública não chamou as tropas britânicas de "incendiárias" quando "por diversão, as tropas britânicas atearam fogo ao Capitólio em Washington" em 1814, na segunda guerra de independência, durante o chamada Batalha de Washington. Devemos também condenar e expor o fato de que setores do estado e da polícia permitiram que o Capitólio fosse atacado e que as forças que participaram do ataque armado direto ao centro parlamentar dos Estados Unidos tiveram apenas danos simbólicos. Essa turba fascista deveria ter sido submetida a uma resposta de fogo real de atirar para matar, deveria ter sido massacrada. Se os insurgentes fossem negros, esquerdistas ou forças anti-racistas atacando a legislatura, eles teriam sido massacrados.

18. A ação de Trump teve uma semelhança com o Putsch na Cervejaria lançado por Hitler e Ludendorff em Munique em nove de novembro de 1923. Também foi possivelmente o ataque mais sério a um parlamento burguês em um país capitalista avançado desde o ataque à Câmara dos Deputados francesa por monarquistas e fascistas forças armadas em fevereiro de 1934. Seria do interesse da classe trabalhadora que o MAGA fosse massacrado e seus líderes supremacistas brancos, herdeiros diretos da KKK, executados pela classe trabalhadora e negra. Este é um ponto crucial que a esquerda deveria fazer em termos de sua propaganda: esses tipos são capazes de genocídio e provavelmente teriam salvado a vida de milhões se Hitler, por exemplo, tivesse sido executado depois de Munique. Fazer tal afirmação sobre Trump sem dúvida causará apoplexia entre seus apoiadores e apologistas, e irritará os liberais, mas a questão é óbvia.

19. Como dissemos de forma premunitória em na declaração do CLQI “Nenhum apoio político para Biden/Harris! Romper com os democratas!” de 13 de outubro sobre as eleições dos EUA:

“Se Trump tentar manter o poder contra sua derrota eleitoral, a esquerda e o movimento operário deve se opor com mobilizações de rua iguais ou maiores que as atuais para derrotar ao golpe e lutar por uma saída própria dos trabalhadores em meio a guerra civil, por um governo operário. Os trabalhadores devem tomar parte nas primeiras fileiras de qualquer luta para derrotar tal golpe trumpiano, até e incluindo o uso de ações armadas em grande escala e a guerra civil, embora uma guerra civil em larga escala pareça improvável. Em termos imediatos, isso significaria a derrota tática de um golpe reacionário e antidemocrático por uma figura burguesa cujas opiniões e ações são fascistas e representam uma séria ameaça para nossa classe. A participação da esquerda e dos trabalhadores organizados em tal batalha, embora recuse qualquer apoio político aos democratas, tem potencial para nos fortalecer consideravelmente.”

20. A questão da libertação da população negra do sistema de castas raciais é estratégica nos Estados Unidos. Desempenha um papel determinante em todos os principais conflitos políticos e sociais e é a contradição que está corroendo a estabilidade do capitalismo dos EUA. É o proletariado negro e imigrante, atualmente a base social principalmente dos democratas, que será a camada na qual a consciência de classe política virá a ser incorporada. Temos que tomar partido desta base social do Partido Democrata, sem apoiar politicamente os democratas, precisamente para separar esta força potencialmente consciente de classe dos democratas e construir um partido comunista de massas nos Estados Unidos.

21. A política racista não é uma exclusividade do trumpismo. Uma revisão feita pela Univisión Noticias dos números de deportações registradas nos últimos 30 anos demostrou que Obama foi o mandatario que mais gente expulsou do país nas últimas décadas, mais que Reagan, Bush pai, Clinton ou Bush filho. Segundo os dados publicados pelo Departamento de Segurança Nacional (DHS), entre os anos fiscais de 2009 e 2015, o número de deportados foi de 2.571.860. Tampouco o neonazismo é uma exclusividade do movimento trumpista. Nos governos Democrátas surgidos desde janeiro de 2009 - dos quais Biden foi um ativo vice-presidente, houve a retomada de ciclo de golpes de Estado na Latinomarica, começando com Honduras ainda em 2009, seguido pelos golpes no Paraguai, Guatemala, Brasil. Além de Hillary Clinton como Secretário de Estado neste ciclo de governo e dos democratas, houve as campanhas belicistas do imperialismo na Líbia e na Síria. Em 2014, foi desferido um sangrento golpe neonazista na Ucrânia, seguido pelo massacre de dezenas de sindicalistas em Odessa a serviço do imperialismo e diretamente vinculado ao enriqueciento da família Biden.

Manifestação em São Francisco, contra o golpe fascista,
por uma greve geral e um partido trabalhista

22. Pelo perigo que representa aos trabalhadores o golpe trumpista e porque todas as frações imperialistas são responsáveis ​​pelos crimes do próprio imperialismo ,apelamos aos trabalhadores dos Estados Unidos para que derrotem o próprio golpe trumpista sem colocar expectativas nas instituições imperialistas, no Partido Democrata ou em qualquer das frações imperialistas autênticas, algozes do proletariado internacional e os povos oprimidos de todo o mundo. Por isso, estão corretos os camaradas da AFL-CIO de Vermont em aprovar desde o dia 22 de novembro de 2020 a convocatória de uma greve geral contra qualquer ameaça golpista de Trump e também estão corretos em dizer:

"Em nossos tempos de colapso social, um Partido Trabalhista fundado e controlado pelos próprios trabalhadores é mais necessário do que nunca. Os partidos dos dois patrões estão conspirando para tirar tudo o que temos. Avançar para um partido de trabalhadores independente para enfrentá-los!"

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